O advogado João Régis Cortês de Lima, assassinado em 2008. Mais um caso de impunidade, triste e vergonhosa realidade em nosso país. Foto copiada do blog Cidadão do Mundo.
Por esses dias recebi o e-mail abaixo de Lucas Medeiros de Lima. Devidamente autorizada - e com muito carinho - eu o transcrevo aqui no blog de Flavia. As palavras de Lucas me comoveram às lágrimas. Fiquei comovida com sua história onde ele relata a perda trágica do pai, advogado e amigo, com sua tristeza pela busca infrutífera por justiça. Fiquei comovida por ter a história de Flavia, repleta de injustiça e impunidade, despertado nesse jovem sentimentos tão bonitos. Fiquei comovida por vislumbrar a possibilidade de virmos a ter advogados e juizes mais sensiveis às tragédias humanas. Que possamos - ao menos isso - ver a punição dos algozes de nossos entes queridos, porque como diz Lucas: "A injustiça é uma nódoa dilacerante"
"Cara Odele Souza,
"Lhe escrevo para dizer que embora longe em distância estamos perto em sentimentos.
Sou aluno do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e nesta última segunda-feira eu, junto com mais 6 colegas, analisamos o caso de sua filha para uma exposição que se sucederia em uma turma de 50 aspirantes-bacharéis e uma instigante professora.
Sou grato por esta singular oportunidade e lhe explico o motivo.
Quando mais jovem sonhava em ser uma pessoa como meu pai, a quem atribuía as melhores virtudes de homem e de advogado, pois assim o era.
Decidi então, nessa tradição genética, ser futuro causídico: pessoa semelhante em postura e caráter.
No ano de 2008 - segundo do curso - meu pai foi brutalmente assassinado diante de sua casa. Um algoz traiçoeiro desferiu-lhe um tiro no rosto. Os motivos são para mim e minha família até o momento desconhecidos e os responsáveis continuam impunes.
A injustiça é uma nódoa dilacerante. Assim, partida de meu pai e as conseqüentes infrutíferas buscas pelos responsáveis desiludiram o coração contagiante de um jovem aluno das ciências jurídicas, que era eu.
Para mim, não haveria de sentir nunca a mesma empolgação dos dias de debates legais com meu amado pai, não verteria a ânsia de saber, de mostra-lhe que sabia e que talvez pudesse ser um pouco do que ele era.
Pois bem, não sabia eu que este sentimento ainda estava adormecido no imo de minha alma.
Ao ver o nefando caso de sua filha, a execrável decisão do juiz de direito paulista e a teratológica e medonha em argumentos, decisão do Tribunal Paulista (absurda tese da culpa concorrente); em contrapartida a mais que brilhante trajetória de uma mãe – amor de mãe, sim ,tem poder – penso que posso ainda continuar minha trajetória. Percebo que minha jornada me aguarda.
Penso que, posso um dia evitar ou punir situações que enodoam os corações de pessoas como nós, e concluo que sim, agora sou talvez, um pouco mais daquilo que era antes.
A senhora é o reflexo de uma dedicada atuação materna e de rara atuação cívica.
Deixo-lhe como troca pelo desconhecido benefício que a mim me causou o único presente que lhe posso transmitir - aquele por herança recebido - os versos de Miguel Torga:
POSIÇÃO
“Faço o que posso, e posso combater,
Um verso que resiste é um bom soldado.
Quando a noite é maior, o céu deixa-se ver
À pequenina luz dom pirilampo alado.
Move montanhas, abre o mar imenso
A fé que não hesita.
Cai uma gota no terror suspenso,
E o sal das amarguras precipita.
Sozinho na trincheira, vou cantando,
E o inimigo ouve-me de lá...
Ouve, e não sabe quando
O poder do meu fogo acabará.”
Miguel Torga
Ficam expressas minha estima e gratidão.
Natal, 13 de maio de 2011.
Lucas Medeiros de Lima."
No blog do jornalista Washington Araújo, no link a seguir, há um bonito texto sobre o pai de Lucas, o advogado João Régis.
Lucas, este post é uma singela homenagem minha e de Flavia ao seu pai. E concordo com o que li no blog Cidadão do Mundo:
" Ninguém é filho de João Régis Cortês de Lima por acaso. Algo de nobre, belo e justo deve surgir daí "
12 comentários
Sou solidário com todas as situações onde a injustiça prevalece.
Flávia, você continua a ser aquela mulher de fibra e aquela mãe cujo adjectivo nem consigo encontrar.
Aproveito para endereçar um abraço pela verticalidade e bom sendo demonstrados por Lucas Medeiros de Lima.
Fosse assim toda a gente e o mundo era melhor.
Obrigado pelas autênticas lições que vou recebendo.
Deus vos proteja.
Odele, a história de Lucas é triste, mas percebo que ele tem uma missão muito bonita pela frente. O Direito é uma espada poderosa, mas depende totalmente de quem lhe impunha. São homens como o pai dele e ele que devem empunhá-lo.
Acho que a sua história, Odele, serviu-lhe de exemplo e ele pode servir a nós.
Um abraço a você e a Flávia.
Odele, boa noite.
Realmente, este é um episódio que nos emociona duplamente: a tragédia deste jovem que se abre para abraçá-la e confortá-la, em sua própria dor e luta.
O que me chamou a atenção também foi ver que uma professora da área jurídica provocou, em sala de aula, a discussão sobre a injustiça que o país comete em relação à Flávia.
Considero que tal discussão é efeito de sua luta para dar visibilidade a esta injustiça e, certamente, servirá para influenciar consciências e posturas dos futuros profissionais.
beijos
Odele, estou super emocionado com tudo isto!
Que linda história. A sua história inspirando outras histórias, que são unidas por outras histórias.
Meu Deus, como podes enlaçar tantas pessoas assim?
Parabéns pelo post, Odele..
Adequado... Lindo o reconhecimento desse apoio dado ao rapaz que viu em vc um exemplo de luta e no caso de Flávia, mais um caso absurdo de impunidade e injustiça.
Ver jovens assim brilhantes, como Lucas, idealistas e se espelhando no pai me enche de esperança e coragem...
Um grande e caloroso abraço que possa fortalecer você ainda mais e lhe aquecer o coração. Um carinho especial na Flavia
bom dia!
Suely
Olá queridas amigas, Flávia e Odele, estou desaparecido? Não, estou deveras desaparecido, ainda guardo aqui no meu coração vocês as duas. Esta história deixou-me perplexo e admirado, não pela triste história do assassinato, mas pelo facto desta história se cruzar com a vossa.
A força que transmites é para mim um exemplo, e dou-o muitas vezes nas conversas que mantenho com amigos, e familiares. Tenho-te enviado pessoal para o blog, que te devem visitar e divulgar a tua história.
Deixo-vos com um beijo do tamanho do mundo, e obrigado por nos dares esta força.
Carlos Rocha
Já todos os comentadores disseram o que queria dizer.
Fiquei triste pela morte de João Régis Lima, e muito feliz pelo enorme exemplo do seu filho Lucas Lima e esteja onde o pai estiver, sorrirá porque o seu filho irá seguir as suas pegadas.
Fico triste por Flavia, e muito feliz pela mãe que tu és e que sabes bem que a nossa amizade é imensa e além fronteiras e sei que fizeste da tua tristeza, o que o Lucas fez e tão bem ilustradas no poema de Miguel Torga, porque de facto em muitos casos, tal como de ambos: "A INJUSTIÇA É UMA NÓDOA DILACERANTE".
És de facto um exemplo a seguir que dando voz a Flavia outros ouvem, assim como Lucas que irá ser um bom profissional...outros aprenderão e neste "passa-palavra" se vai construindo um novo mundo!
Beijo enorme a Lucas e que não desista e para ti meu doce, aquele abraço de sempre e para sempre com um chamego em Flavia
Odele, Passei no Blog da Flavia e li a mensagem de Lucas. Uma vez disse-lhe que você tinha uma missão especial, e com certeza tem, e o fato de sua tenacidade servir de inspiração para que Lucas retome com vigor o Curso de Direito é uma prova de que o seu sofrimento não está sendo em vão. Realmente, o Lucas pelo curso jurídico poderá se tornar um realizador de Justiça. Estamos cansados de pessoas sem ética, o nosso Brasil, infelizmente está cheio dessas pessoas. Precisamos de Jovens que venham pra fazer diferença e mudar a cara deste País. Sinta-se uma pessoa que está fazendo a diferença e congregando mais pessoas para lutar pelo idela da Justiça.
Beijos para Flavia.
Um abraço carinhoso
Graci
Emocionante esta mensagem do Régis que compreendeu ainda melhor a injustiça de que a Flavia tem sido vítima, dada a trágica situação que atingiu a sua própria família.
Será pela tomada de consciência de novos juristas como é o caso de Régis, de que a Justiça não pode ser fria e ignorar a dimensão humada dos casos que julga, que podemos esperar que as coisas mudem e passem a ser menos possíveis casos absurdos de morosidade, burocracia, decisões incompreensíveis.
E cativou-me especialmente que o Régis tenha utilizado um belo poema do Torga, um dos poetas de que mais gosto, transmontano português como eu sou, uma voz que sempre se bateu pela verdade e pela justiça.
Sempre lembro de você como uma exemplo de luta para o que é certo...
Fique com Deus menina Odele e menina Flávia.
Um abraço.
Li sobre sua entrevista na revista Época de 2009 e fiquei muito comovida. Que Deus continue lidando forças para lutar e vencer.
Te sigo... =)
Querida amiga, aprendo com essa história, que por mais que a dor dilacere nosso coração é preciso seguirmos firmes na luta e missão que nos foi por Deus designada. Fiquei muito emocionada pelo post. Um beijo enorme à vocês e minha imensa admiração à iniciativa de Lucas. Que Deus os abençoe.