Isabel e Flavia
Nesta quinta-feira, como de vez em quando acontece, eu e Flavia recebemos a visita de Isabel, que trabalhou em nossa casa por três anos, quando Flavia tinha entre seis e nove anos de idade. Isabel era carinhosa e muito atenciosa com Flavia, e mesmo preocupada com a possibilidade de não dar conta do serviço, Isabel acabava cedendo à insistência de Flavia para que lhe mostrar seus desenhos coloridos ou para vê-la dançar com suas roupinhas de bailarina, ou ainda para lhe ouvir as conversinhas de menina.
Flavia com sua voz doce, dizia:
- Isabel, vou dançar, mas preciso de platéia. Minha mãe está trabalhando. Você pode ser minha platéia Isabel?
Ao que Isabel respondia:
- Mas Flavia, preciso terminar a limpeza da casa, se eu parar para lhe assistir querida, não vou conseguir terminar o serviço.
Flavia insistia, Isabel não resistia e acabava por lhe dar atenção, lhe assistir dançar e ainda aplaudia no final, deixando Flavia feliz da vida. Naqueles três anos a mulher deu tanta atenção à menina que Flavia e Isabel tornaram-se grandes amigas.
Desta vez, como sempre acontece quando Isabel nos visita, ela relembrou algumas das histórias que viveu com Flavia. Por exemplo:
Flavia: - Isabel, quando é seu aniversário?
Isabel: - 4 de Julho.
Flavia: 4 de Julho? Ah! é o Dia da Independência dos Estados Unidos.
Mas distraída que era, Flavia não se deu conta de que fazia essa pergunta à Isabel, exatamente em um dia 4 de Julho. E Isabel, talvez por timidez calou-se. E por timidez naquele dia Isabel não recebeu o abraço de Flavia pelo seu aniversário.
Quando houve o acidente com Flavia, Isabel ficou perplexa, muito triste, inconsolável. E até hoje, mais de treze anos depois, Isabel lamenta que quando disse à Flavia que seu aniversário era dia 4 de Julho, não ter acrescentado: “ Hoje é 4 de Julho Flavia!” Isabel sabe que Flavia lhe teria dado um forte e espalhafatoso abraço, teria telefonado para meu trabalho me contado sobre o aniversário de Isabel e me pedido para lhe comprar um presente. Mas o que dói mesmo em Isabel, é saber que Flavia não poderá mais lhe abraçar em nenhum outro dia 4 de julho.
Acredito que nem mesmo o estado de coma de Flavia desfez o vínculo de afeto que Isabel deixou em seu coraçãozinho. Hoje, quando Isabel chegou à nossa casa, ao ouvir sua voz, Flavia esboçou um sorriso. Foi lindo.
Pela observação diária das sutis reações na expressão facial de Flavia, acredito que a voz de pessoas queridas seja um dos mais importantes estímulos para pessoas em coma, seja coma vigil (caso de Flavia) seja o coma profundo.O tom suave e carinhoso nas palavras,obviamente, é fundamental.