Este blog, criado em janeiro de 2007, é dedicado à minha filha Flavia e sua luta pela vida. Flavia vive em coma vigil desde que, em 06 de janeiro de 1998, aos 10 anos de idade, teve seus cabelos sugados pelo sistema de sucção da piscina do prédio onde morávamos em Moema - São Paulo. O objetivo deste blog é alertar para o perigo existente nos ralos de piscinas e ser um meio de luta constante e incansável por uma Lei Federal a fim de tornar mais seguras as piscinas do Brasil.

A historinha de uma centopéia.

- 22 de agosto de 2010
Quando Flavia estava com sete anos, um dia chegou da escola dizendo que havia lido uma história e que precisava me contar. A história dizia que quando uma pessoa vem à nossa casa pela primeira vez, deve sair com um presentinho, um mimo, uma lembrança. Não precisaria ser algo caro, Flavia me dizia, bastaria que representasse a alegria de termos recebido a pessoa em nossa casa.

E nos dias seguintes, Flavia me relembrava a história e pediu que escolhêssemos algo para darmos às pessoas que fossem nos visitar pela primeira vez. Insistente como toda criança, Flavia me dizia com sua graciosa voz de sino: “Mamy, vamos comprar logo as lembrancinha para nossas visitas.” E num domingo eu e Flavia fomos à Feira de Artesanato de Moema, que ficava a dois quarteirões de nossa casa e ela escolheu a centopéia da foto que ilustra este post. É um imã de geladeira feito de biscuit.

E assim foi. Compramos algumas centopéias, e já deixávamos embaladinhas num saquinho de celofane. Quando a visita saía, Flavia, toda alegre, fazia questão de lhe entregar a lembrancinha. Mantive este costume de minha filha e mesmo após o acidente que lhe deixou em coma, continuo comprando as centopéias de Flavia na mesma artesã, a simpática Sandra, que aos domingos expõe seus trabalhos na Feira de Artesanato de Moema. Por vezes, a minha reserva de centopéias acaba e pode acontecer de alguma pessoa vir nos visitar pela primeira vez e eu não estar com a “lembrancinha de Flavia”, mas tento evitar deixar acabar o “estoque”.

Hoje, estiveram aqui em casa, Paola, Bruna, Flávia e Mariana, formandas de jornalismos da Faculdade Casper Líbero, que estão fazendo trabalho de conclusão do curso, o TCC, com o título “Debaixo de Seus Olhos” sobre pessoas em coma. Eu e Flavia estamos participando do trabalho de conclusão do curso das meninas, todas muito graciosas e com idade regulando com a de Flavia, 20, 22 anos. E elas saíram daqui com a centopéia de Flavia para enfeitar as geladeiras de suas casas.

E ainda hoje quando alguém vem à nossa casa pela primeira vez, ao lhe entregar este presentinho tão simples, faço-o em nome de Flavia e conto a historinha que um dia encantou minha menina. Tomara que para aonde quer que este enigmático estado de coma a tenho levado, que Flavia continue em seu mundo encantado.

 

Cerejeiras em flor. Para nossos filhos ausentes.

- 8 de agosto de 2010
Cerejeiras em flor, Parque do Carmo - São Paulo. Foto de meu filho, Fernando Belo.

A cerejeira nos dá uma flor bela e delicada.. A cerejeira floresce com exuberância, mas sua flor dura pouco tempo. Enquanto está aberta, enquanto vive, mesmo por pouco tempo, esta flor enfeita o mundo. Algumas pessoas são como as flores da cerejeira; ficam pouco tempo entre nós, mas partem deixando um rastro de beleza e perfume.

Estas flores de cerejeira, eu ofereço,
À minha filha Flavia, que sem gestos e sem voz, - em coma - mas com uma presença forte, resiste e assiste a meu lado a vida passar.

À Daniella Perez, linda e talentosa, brutalmente assassinada aos 22 anos. (filha da novelista Glória Perez) À Rafael Mascarenhas, tão menino ainda, com um futuro tão promissor, irresponsavelmente atropelado aos 18 anos. (filho da atriz Cissa Guimarães) À Isabella Nardoni, João Hélio, Eloá Pimentel, e a todas as crianças e jovens que morreram vítimas de violência.

À Thiago Naydel, 11 anos, Rafael Delfino,9 anos, Gabriel Posteraro, 9 anos, Jacqueline Resende, 13 anos, estas são algumas das crianças brasileiras que morreram porque, devido à forte e inadequada sucção, ficaram presas aos ralos das piscinas onde nadavam. São para vocês estas flores. Cerejeiras em flor. São vocês estas flores.

E que possamos ter, um mundo mais bonito, mais justo. E que nenhuma mãe, além da dor de ver seu filho morto ou em coma, ainda tenha que conviver com a indignação de ver os algozes de seus filhos, na IMPUNIDADE.
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