Odele e Francisca
Houve uma época em que eu levava Flavia à AACD aqui de São Paulo com certa freqüência. Para quem não sabe AACD é a sigla para: Associação de Assistência à Criança Deficiente. A AACD além de atender pessoas carentes, atende também particulares e conveniados, que é o caso de Flavia. O convênio médico que pago para ela dá direito a que seja atendida em vários hospitais, a AACD inclusive. A AACD além de hospital tem também uma oficina de próteses e órteses e foi lá que fiz as adaptações da segunda cadeira de rodas que Flavia teve que passar a usar. É uma cadeira de rodas muito especial, na verdade, uma cadeira de posicionamento para permitir que uma pessoa que perdeu todo o controle do corpo, como no caso de Flavia, consiga ficar sentada nela por algum tempo que seja.
Pois bem, numa dessas ocasiões, enquanto eu aguardava para falar com o técnico que tiraria as medidas de Flavia para fazer os necessários ajustes na cadeira, conheci uma outra mãe que lá estava também pelo mesmo motivo – Fazer adaptação na cadeira de rodas de sua filha. Mesmo para quem tem convênio médico o tempo de espera para ser atendido na oficina da AACD é bastante grande, ou pelo menos era. Para agüentar o tempo de espera as pessoas começam a conversar umas com as outras, fazem amizades e quase sempre a conversa gira em torno do mesmo tema: - O que aconteceu com sua filha, porque ela ficou assim, etc. etc. As pessoas quase sempre falam sem resistência, querendo mesmo falar, como se isto fosse uma forma de exorcizar a própria dor.
Numa dessas longas esperas, enquanto Flavia deitada numa maca aguardava sua vez de ser atendida, Francisca, mãe de Mariana, conversava comigo. Sua filha que estava numa condição “melhorzinha” que Flavia, mesmo amparada pela mãe, conseguia aguardar sentada. Francisca fez questão de mostrar as fotos da filha – linda - antes do acidente que a deixou tetraplégica e também em coma vigil. A mãe estava com a garota em um ponto de ônibus e um homem dirigindo seu carro em alta velocidade, perdeu o controle da direção, subiu na calçada onde estavam mãe e filha e atropelou ambas. A mãe ficou mancando de uma perna e a filha, tetraplégica e em coma vigil. Isto acontecera três anos antes.
Chamou minha atenção o bom humor de Francisca. Contava-me por exemplo que no dia anterior, precisando levar a filha numa consulta médica, ao descer do ônibus, - ela se locomovia de ônibus!! - segurando a filha junto ao corpo e com a outra mão segurando a cadeira que já estava há tempos precisando de manutenção, esta lhe escapou das mãos e saiu rolando ladeira abaixo, só parando quando alguns transeuntes conseguiram segurá-la. Por “sorte”, dizia ela, a cadeira não “atropelou ninguém enquanto desgovernada, descia a rua. E isto Francisca contou sorrindo.
Chegou a vez de Flavia e entrei com ela na sala de atendimento. Ao sair, estava lá me esperando o motorista com a VAN contratada por mim especialmente para levar Flavia àquela consulta na AACD. Gentil e prestativo, o motorista me ajudou a acomodar Flavia na VAN e ajeitou como pode a cadeira de rodas, um trambolhão que não cabe em qualquer carro.
Fiquei pensando em dar uma carona para Francisca e sua filha, mas não havia como, pois além dela ainda estar aguardando para ser atendida, a VAN por mim contratada só cabia, e justinho, Flavia e a sua enorme cadeira de rodas/posicionamento. Voltei para casa pensando naquela mãe e em sua filha. Ter que ir ao hospital com a filha naquelas condições, de ônibus e ainda assim, mostrar um invejável bom humor, transformando em piada um episódio que faria muita gente chorar, era algo que me fazia pensar. Ela, Francisca, sorria e com isto tornava tudo mais leve e ela própria se tornava mais leve. Adorei estar e conversar com Francisca.
Esta foi uma das muitas das lições que ao longo destes 10 anos com Flavia em coma, venho aprendendo. É preciso que nos tornemos mais leves e não falo de “fazer de conta” que estamos bem, rir para o outro mas chorar escondido. É preciso querer estar bem. Estar predisposto a ficar bem, já é um passo à frente. Há dias em que a dor bate forte em nós? É, bate mesmo. Mas não façamos da dor uma arma pronta a ser usada contra as pessoas. Leveza, delicadeza e bom humor, não modificam uma dura realidade, mas certamente a fará mais suportável.
Até o próximo post.
Pois bem, numa dessas ocasiões, enquanto eu aguardava para falar com o técnico que tiraria as medidas de Flavia para fazer os necessários ajustes na cadeira, conheci uma outra mãe que lá estava também pelo mesmo motivo – Fazer adaptação na cadeira de rodas de sua filha. Mesmo para quem tem convênio médico o tempo de espera para ser atendido na oficina da AACD é bastante grande, ou pelo menos era. Para agüentar o tempo de espera as pessoas começam a conversar umas com as outras, fazem amizades e quase sempre a conversa gira em torno do mesmo tema: - O que aconteceu com sua filha, porque ela ficou assim, etc. etc. As pessoas quase sempre falam sem resistência, querendo mesmo falar, como se isto fosse uma forma de exorcizar a própria dor.
Numa dessas longas esperas, enquanto Flavia deitada numa maca aguardava sua vez de ser atendida, Francisca, mãe de Mariana, conversava comigo. Sua filha que estava numa condição “melhorzinha” que Flavia, mesmo amparada pela mãe, conseguia aguardar sentada. Francisca fez questão de mostrar as fotos da filha – linda - antes do acidente que a deixou tetraplégica e também em coma vigil. A mãe estava com a garota em um ponto de ônibus e um homem dirigindo seu carro em alta velocidade, perdeu o controle da direção, subiu na calçada onde estavam mãe e filha e atropelou ambas. A mãe ficou mancando de uma perna e a filha, tetraplégica e em coma vigil. Isto acontecera três anos antes.
Chamou minha atenção o bom humor de Francisca. Contava-me por exemplo que no dia anterior, precisando levar a filha numa consulta médica, ao descer do ônibus, - ela se locomovia de ônibus!! - segurando a filha junto ao corpo e com a outra mão segurando a cadeira que já estava há tempos precisando de manutenção, esta lhe escapou das mãos e saiu rolando ladeira abaixo, só parando quando alguns transeuntes conseguiram segurá-la. Por “sorte”, dizia ela, a cadeira não “atropelou ninguém enquanto desgovernada, descia a rua. E isto Francisca contou sorrindo.
Chegou a vez de Flavia e entrei com ela na sala de atendimento. Ao sair, estava lá me esperando o motorista com a VAN contratada por mim especialmente para levar Flavia àquela consulta na AACD. Gentil e prestativo, o motorista me ajudou a acomodar Flavia na VAN e ajeitou como pode a cadeira de rodas, um trambolhão que não cabe em qualquer carro.
Fiquei pensando em dar uma carona para Francisca e sua filha, mas não havia como, pois além dela ainda estar aguardando para ser atendida, a VAN por mim contratada só cabia, e justinho, Flavia e a sua enorme cadeira de rodas/posicionamento. Voltei para casa pensando naquela mãe e em sua filha. Ter que ir ao hospital com a filha naquelas condições, de ônibus e ainda assim, mostrar um invejável bom humor, transformando em piada um episódio que faria muita gente chorar, era algo que me fazia pensar. Ela, Francisca, sorria e com isto tornava tudo mais leve e ela própria se tornava mais leve. Adorei estar e conversar com Francisca.
Esta foi uma das muitas das lições que ao longo destes 10 anos com Flavia em coma, venho aprendendo. É preciso que nos tornemos mais leves e não falo de “fazer de conta” que estamos bem, rir para o outro mas chorar escondido. É preciso querer estar bem. Estar predisposto a ficar bem, já é um passo à frente. Há dias em que a dor bate forte em nós? É, bate mesmo. Mas não façamos da dor uma arma pronta a ser usada contra as pessoas. Leveza, delicadeza e bom humor, não modificam uma dura realidade, mas certamente a fará mais suportável.
Até o próximo post.