Pássaro na varanda aqui de casa. Do quarto de Flavia pode-se ouvir seu
canto forte e bonito. Gosto de pensar que o pássaro canta para Flavia.
Em alguns comentários que aqui são deixados por visitantes
deste blog ou mesmo por alguns e-mails
que me enviam, transparece uma atitude de comiseração ou compaixão pela
situação de Flavia. Compreendo esse tipo de sentimentos pois são fruto de uma
cultura que continua enraizada e até cultivada por algumas mídias e que consiste em derramar lágrimas de
pena perante tragédias alheias. Mas o que eu espero que sintam em relação à
Flavia é carinho e respeito, jamais pena,
compaixão ou piedade.
Ao longo dos anos,
como neste blog se tem mostrado, Flavia tem sido tratada na casa dela com total respeito pela sua
dignidade. A sua roupa continua a ser
cuidada e combinada como qualquer outra jovem da sua idade. As suas unhas são pintadas
com esmero e com arte. Quando o tempo
permite, Flavia é levada para o jardim do prédio para tomar um pouco de sol. A sua pele é íntegra, bonita e rosada. Os seus lindos cabelos são mantidos na forma
como sempre Flavia gostou. O seu amigo António continua a falar com ela,
em mensagens gravadas que lhe envia de vez em quando, em conversas tão naturais
como as que se têm entre dois interlocutores que dialogam. Porque, se Flavia perdeu a capacidade de falar, mostra, na expressào de seu rosto, que aquelas
palavras que ouve do amigo
distante, de alguma forma lhe tocam em
algum ponto do seu ser. Pela cuidadosa observação
diária e pelo amor que dedico à Flavia, aprendi a interpertar esses sinais tão
sutis quanto preciosos para mim.
E ao longo desses
mais de catorze anos em que Flavia tem
vivido em estado de coma vigil, tenho aprendido muito com minha filha. Aprendi
a resistir, porque se Flavia não
desiste, como posso eu desanimar?. Com
Flavia aprendi a ouvir o que silêncio me
diz, aprendi a prestar mais atenção ao canto
dos pássaros que de tão alto que cantam nos galhos das plantas na nossa varanda,
conseguimos ouvi-los do quarto de Flavia. E gosto de pensar que os pássaros
cantam pra ela.
Com Flavia aprendi a
ser mais tolerante, mais persistente,
mais paciente. Mais resistente. Com Flavia aprendi que posso ser múltiplas
pessoas e dar conta de tudo o que ela precisa para
continuar a exercer sua cidadania e a
manter sua dignidade. Com Flavia aprendi
e me emocionar com demonstrações de
afeto, carinho, amizade e atençao que algumas pessoas nos dão. Estamos falando
de amor. É isso que conta.
Obrigada a todos e
até o próximo post.