A carta para Flavia.
Filha, aqui está a cartinha que lhe escrevo todos os anos no dia das mães. Vou ler pra você.
Princesa, esse seu sono sem despertar, que já passa dos 20 anos, e que nos faz estar tão perto e tão longe ao mesmo tempo, nos priva de algumas experiências conjuntas que nada no mundo substitui. Como não sentir sua ausência, em qualquer lugar que vá? Muitas vezes seu irmão, que é um querido, vai comigo. Por exemplo, no ano passado quando fomos conhecer António, nosso amigo português que vive na cidade do Porto. Que lindo foi aquele encontro filha. Você, mesmo aqui deitadinha em sua cama, estava conosco o tempo todo em pensamento. Em pensamento Flavia. Mas o pensamento querida, não substitui o toque na pele, o abraço apertado, o caminhar juntos pelas ruas. Faltava você.
Essa experiência e tantas outras mais, como, estudar, namorar, casar e ter filhos, a vida tirou de você querida. Os anos passam e você, mesmo em estado mínimo de consciência, continua aqui tão linda, tão frágil e forte ao mesmo tempo. Mas nada vai suprir a falta que uma vida saudável nos traria. Os anos têm passado Flavia. Já são mais de 20 anos desde que você sofreu o acidente que lhe deixou vivendo em coma. Por causa da sucção dos ralos de piscinas, que infelizmente continuam a ocorrer em todas as partes do mundo querida. O descaso com a vida humana é revoltante. Tenho lutado pela Lei de Segurança nas Piscinas que salvaria tantas vidas e evitaria que outras crianças venham a ter o seu destino, mas as autoridades pouca atenção nos têm dado.
O tempo tem passado querida. Estou envelhecendo sem que você tenha consciência disso. Meus cabelos estão embranquecendo e decidi assumi-los assim. Mas eu estou bem querida. De onde vem minha força? Do fato de saber que você, através de mim, pode mudar o destino de outras crianças, alertando para o perigo existente nos ralos de piscinas. Você Flavia, mesmo em estado mínimo de consciência, está, através deste seus blog e de seu Facebook, evitando novos acidentes causados pela sucção dos ralos de piscinas. E com isso você exerce a cidadania que lhe foi roubada na infância.
O tempo tem passado querida. Michele, nosso Poodle que adquiri insanamente pensando que seus latidos pudessem despertar você do estado de coma, assim como eu, está envelhecendo. Michele já não ouve e seus olhinhos já não enxergar como antes. É o efeito do passar do tempo querida. Mas o passar do tempo Flavia, em nada diminui o meu amor e carinho por você. O passar do tempo em nada me faz desistir de cuidar de você com todo o amor que você merece. Acredito filha, que não só você, mas todas as pessoas que por infortúnio estão dependendo dos cuidados de outras pessoas, devem ser bem cuidadas com muito amor e carinho.
Espero filha, continuar a ter saúde pra seguir cuidando de você do jeito que tem que ser. Com muito amor. Sempre.