Este blog, criado em janeiro de 2007, é dedicado à minha filha Flavia e sua luta pela vida. Flavia vive em coma vigil desde que, em 06 de janeiro de 1998, aos 10 anos de idade, teve seus cabelos sugados pelo sistema de sucção da piscina do prédio onde morávamos em Moema - São Paulo. O objetivo deste blog é alertar para o perigo existente nos ralos de piscinas e ser um meio de luta constante e incansável por uma Lei Federal a fim de tornar mais seguras as piscinas do Brasil.

SOLIDARIEDADE.

- 24 de fevereiro de 2007
Todos os dias ao final da tarde, eu saia da HP em Alphaville, e me dirigia para o hospital a mais de 30 km de distância. Ficava de duas a três horas com Flavia porque Fernando, já sentindo minha ausência, começava a me telefonar perguntando quando eu voltaria para casa para jantar com ele. Vicentina, a Enfermeira, havia sido contratada para ficar com Flavia durante o dia e aí eu me deparava com o problema de não ter com deixa-la à noite.

Foi então que eu recebi a maior demonstração de solidariedade que eu jamais tivera. Colegas da HP, conhecidos do bairro onde morávamos, ex-colegas de trabalho e até colegas de outras empresas com as quais eu tinha contato em função de meu trabalho, se revezavam as noites no hospital, ao lado de Flavia. No dia seguinte, essas pessoas saiam do hospital direto para o trabalho. Algumas não tinham carro e precisavam tomar ônibus ou metrô para chegar ao trabalho ou às suas casas. Guilherme, filho do primeiro casamento do pai de Flavia, e sua mulher Estela, também foram bastante presentes nessa época. Passaram muitas noites ao lado de Flavia no hospital. Flavia era apaixonada por Guilherme e de certa forma, eu me sentia aliviada com a presença dele ao lado dela. Ele ali, representava o lado família tão importante em uma situação como aquela.

Para as pessoas que passavam as noites com Flavia, era difícil lidar com a situação, porque apesar dela estar sendo cuidada pelas auxiliares de enfermagem do hospital, Flavia apresentava forte hipertonia – rigidez muscular – e febre altíssima. Transpirava muito, se contorcia e gemia e isso para algumas pessoas era assustador. Todas os dias, por volta da meia noite eu telefonava para as pessoas que estavam ao lado de Flavia para saber como ela estava passando, se a febre havia baixado, se a hipertonia tinha diminuido... Do outro lado da linha eu podia ouvir os gemidos dela. Era angustiante e depois do telefonema, o sono me demorava a chegar

33.dia - DEIXANDO A UTI.

- 14 de fevereiro de 2007
Presente de uma coleguinha de classe de Flavia.
Flavia continuava inconsciente e seguia alheia a tudo. Apenas abria e fechava os olhos, mas não diferenciava o dia da noite e dormia nos horários os mais diversos. Mesmo assim concordei com Dr.Fernando, o neurologista, de que ela poderia ter alta da UTI e passar a receber os cuidados no quarto. Fiquei animada com a saída dela da UTI por achar que tínhamos já vencido a etapa mais crítica.

Passando a ser cuidada no quarto, Flavia precisaria de acompanhante dia e noite. Eu que já havia sido informada da possível data de alta dela da UTI, inicialmente contratei uma enfermeira para cuidar de Flavia durante o dia. Não que precisasse de uma Enfermeira no hospital, mas eu achava que daí a pouco tempo Flavia teria alta hospitalar e como eu já havia retornado ao trabalho certamente iria precisar de uma enfermeira para cuidar dela em casa e seria importante essa profissional ir se acostumando com os cuidados que teria que dispensar à Flavia. E assim fiz. Contratei Vicentina que me foi muito bem indicada por uma pessoa conhecida. Vicentina, apesar de seu curso superior de enfermagem, fazia mesmo era o papel de acompanhante, pois, no hospital, óbvio, os cuidados com os pacientes ficam por conta das auxiliares de enfermagem do próprio hospital.

Estar fora da UTI foi um alívio e passamos a ter um pouco mais de liberdade. O quarto, ocupado só por Flavia era simples, mas, bastante amplo. Tinha o que imagino devam ter todos os quartos de hospital: Um banheiro, uma geladeira, uma mesinha para refeições e um sofá para acompanhantes. Ah! mas como era frio e impessoal aquele quarto. Tentei personalizar um pouco e botei um porta retrato com uma foto de Flavia e colei nas paredes alguns dos desenhos que seus amiguinhos de escola mandavam, desejando a rápida recuperação de Flavia. Esses desenhos me eram entregues por Irmã Priscila que certamente se esforçava para que os coleguinhas de escola de Flavia não se esquecessem dela, mas como a cada 30 dias tínhamos que mudar de quarto para que aquele que ocupávamos fosse esterilizado, constantemente eu tinha que refazer toda a “decoração!”.

20.DIA DE UTI - RECEBENDO SANGUE.

- 10 de fevereiro de 2007
Ao chegar ao hospital nesse vigésimo dia em que Flavia estava na UTI, a enfermeira, ao abrir a porta foi logo me dizendo que Flavia estava muito mal e precisando urgentemente de uma transfusão de sangue, pois o nível de plaquetas no organismo dela havia caído drasticamente. Muito aflita saí pelos corredores do hospital à procura do banco de sangue para que tirassem de mim o sangue necessário à Flavia, mas me disseram que eu não poderia doar sangue para ninguém por estar tomando antibiótico devido à fratura no braço. Além disso, pediam a doação de sangue de pelo menos 10 pessoas. Telefonei então para a HP e falei com Golbert. O assunto foi para o RH da empresa e rapidamente surgiram voluntários para doar o sangue de que Flavia precisava. Amigos e conhecidos de fora da HP também compareceram ao hospital e em pouco tempo o sangue doado ultrapassava em muito o solicitado. O hospital acabou agradecendo pois o sangue que sobrasse seria usado por outros pacientes.

Ao voltar para casa à noite para fazer companhia à Fernando e descansar, me peguei pensando no quão forte é o amor que as mulheres têm por seus filhos. Este amor é mesmo o laço de afeto mais forte que temos com a vida. Me veio então à mente uma frase de uma mulher de nome Elizabeth Stone, que diz:

"A decisão de ter um filho é muito séria.
É decidir ter, para sempre,
o coração fora do corpo"

18.dia de UTI.

- 6 de fevereiro de 2007

Lá fora, na ante sala , enquanto eu aguardava mais uma vez permissão para ver Flavia, sou avisada de que Luisa, uma amiga de muitos anos, estava na recepção do hospital. Como tantas pessoas, Luisa estava ali para levar solidariedade e afeto. O elevador parou algumas vezes no 3º.andar mas como estava sempre cheio, não consegui entrar. Resolvi então descer pela escada para receber minha amiga, ao mesmo tempo em que atendia meu filho Fernando no celular, um Star Tac que me fora emprestado pelo meu colega de trabalho Carlos Apollonio. Até hoje não entendi meu desequilíbrio, mas o fato é que quando me dei conta estava rolando escada abaixo e só parei quando me estatelei contra a parede. Uma dor muito forte no ombro impedia de me mexer. Fiquei muito pálida, comecei a suar frio e como estava entre um andar e outro demorou um pouco para que a recepcionista do andar inferior percebesse que alguém havia caído na escada. Pedi à moça que chamasse a amiga que me aguardava na recepção e com a ajuda dela fui levada para o pronto socorro dentro do próprio hospital. Após me examinar o médico disse que eu havia fraturado o ombro. Eu que nunca na vida havia quebrado um dedo sequer, estava naquele momento com o ombro fraturado e com minha filha na UTI.

Fui encaminhada para um ortopedista. A vantagem – vantagem?... era que tudo podia ser feito no próprio local, já que eu estava dentro de um hospital. Após radiografar meu ombro o ortopedista fez as costumeiras recomendações: Cuidado, ficar com o braço imobilizado, etc.etc. Lembro-me da cara de espanto dos médicos da UTI quando souberam que eu havia caído da escada e fraturado o ombro.

- Mas Dona Odele, justo agora com sua filha na UTI??!!

Com o braço imobilizado fiquei impossibilitada de dirigir, e aí passei a depender de meus vizinhos do prédio para ir ao hospital onde eu passava o dia todo. Fizeram um revezamento e cada dia alguém me dava carona. A fratura foi no braço direito e eu tinha dificuldades para realizar tarefas simples como lavar e pentear os cabelos, trocar de roupas ou calçar os sapatos.

Às vezes ao sair do hospital no fim do dia, eu, um pouco constrangida telefonava para alguns colegas de trabalho e pedia carona para voltar para casa. O constrangimento diminuía quando a pessoa chegava e eu percebia que ela estava ali de boa vontade e querendo ajudar. Lembro-me especialmente de uma ocasião em que eu já não sabia à quem recorrer para minha carona diária do hospital para casa e resolvi telefonar para a HP e pedir ajuda ao meu colega de trabalho Ricardo Sardenberg. Meu Deus, chovia muito naquele final de tarde. Ricardo saiu do trabalho lá em Alphaville e dirigiu até o Hospital Santa Izabel na Rua Veridiana, um longo e congestionado percurso. Chegou com um sorriso no rosto e simpático, foi conversando comigo até a porta de meu apto. Ao agradecê-lo por tamanha gentileza, Ricardo me responde:

- Odele, eu é que agradeço pela oportunidade que você me deu de ajudá-la.

Achei linda a frase e a atitude de Ricardo e a partir desse dia eu me dei conta de que muitas pessoas estão dispostas e até gostam de ajudar sem nenhum outro motivo que não seja o desejo de ser útil ao próximo.
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