Este blog, criado em janeiro de 2007, é dedicado à minha filha Flavia e sua luta pela vida. Flavia vive em coma vigil desde que, em 06 de janeiro de 1998, aos 10 anos de idade, teve seus cabelos sugados pelo sistema de sucção da piscina do prédio onde morávamos em Moema - São Paulo. O objetivo deste blog é alertar para o perigo existente nos ralos de piscinas e ser um meio de luta constante e incansável por uma Lei Federal a fim de tornar mais seguras as piscinas do Brasil.

BARULHO E PÓ.

- 28 de janeiro de 2007
O hospital estava em reforma e durante todo o dia ouviam-se ensurdecedoras batidas de marretas, o que aumentava o desconforto. Lembro-me de um dia em que Dr.Fernando reclamou do barulho pois não conseguia se fazer ouvir. Na verdade, as vozes das pessoas eram abafadas pelas marretadas e conversar ficava difícil. O pó era também outro problema. Como fazia muito calor, levei de casa um ventilador para a salinha onde Flavia foi instalada. Bastou uma semana para que as engrenagens do aparelho mostrassem uma enorme quantidade de pó acumulado. Pensei horrorizada naquele pó entrando pelas narinas de minha filha e das demais crianças ali internadas. Dr. Cid, o médico chefe da UTI dizia que nada podia fazer e não podia mesmo já que a reforma tinha que prosseguir.

Antes do acidente Flavia estava fazendo tratamento para a correção dos dentes e Dr.Marcelo, o ortodentista foi até a UTI para retirar os brackets da boquinha dela. Brackets são aquelas pecinhas onde o aparelho é fixado. Ao ver Dr.Marcelo desfazer o seu trabalho, tive o pressentimento de que minha filha passaria um longo peródo no hospital e uma imensa angústia tomou conta de mim.

No 16. dia desligaram os equipamentos e Flavia passou a respirar sozinha. Respirava pela boca e fazia um barulho horrível com som de ronco. Era, me explicou o médico, devido a possível lesão na garganta dela, ao ser entubada na beira da piscina, mas que isso passaria com o tempo. Percebi que a hipertonia aumentava e ela passou a cerrar os dentes, Não raro mordia os lábios que inchavam o que lhe causava mais desconforto. Botaram então em sua boca uma guedel, que é uma borracha lembrando uma chupeta, muito desconfortável, mas servia para impedir que ela fechasse a boca e mordesse os lábios. Aquilo, a tal guedel, era uma coisa horrorosa e não parava na boca de Flavia. A todo momento tínha-se que ajeitar a peça que teimava em escorregar de sua boca. Por ela não conseguir engolir nada, os médicos me orientaram a chamar uma fonoaudióloga que ajudaria na recuperação da deglutição. Fui atrás de uma profissional, sempre com a preocupação de que fosse alguém competente. Então, a partir daí Flavia começou a receber tratamento fonoaudiólogo, com o objetivo de que ela voltasse a engolir, nem que fosse a própria saliva. No entanto, o tempo passava e nenhuma melhora acontecia, a hipertonia continuava forte, ela transpirava muito e tinha febres altas. O sofrimento dela era grande. Eu, sofria igual.

AINDA NA UTI (continuação...)

- 26 de janeiro de 2007
15. dia na UTI. Flavia continuava usando aparelho para respirar e em coma induzido. Os médicos foram diminuindo a medicação que a mantinha nesse estado e no 16. dia ela abriu os olhos. Ao entrar na UTI e vê-la de olhos abertos, meu coração disparou e pensei:

- Meu Deus! Flavia saiu do coma!

Ilusão minha. Ela apenas abrira os olhos. Não esboçava qualquer reação e não me reconheceu nem a nenhum de nossos amigos que mais tarde a visitaram. O neurologista me explicou que era assim mesmo. Teríamos que esperar os próximos dias para ver a evolução do quadro.

Nos quinze dias em que esteve de olhos fechados, Flavia não se movia, parecia estar em um longo e profundo sono. Ao abrir os olhos começou a esticar os pés em movimentos involuntários e os médicos me alertaram para as deformidades que tais movimentos poderiam causar. Esses movimentos involuntários são causados por hipertonia, uma hiper atividade do tõnus muscular - um comando cerebral desordenado, causado pelo dano cerebral sofrido e que quase sempre leva à deformidades físicas. Fui orientada pelos médicos a providenciar órteses, aparelhos que podiam ser feitos na oficina ortopédica da Santa Casa. Flavia passaria a usar esses aparelhos nos pés, com o objetivo de conter as deformidades. Com o passar dos dias, além dos pés a hipertonia foi atingido o corpo todo.

Preocupava-me muito o fato de Flavia estar no meio de outras crianças com males diversos e pedi que a colocassem em uma sala separada que havia ao lado e que estava vazia. A sala era bastante pequena mas eu a preferia alí pois temia que ela contraisse alguma infecção. Depois de alguns dias de muita insistência, finalmente fui atendida e eñtão pude passar mais tempo ao lado de Flavia. No canto da salinha colocaram uma dessas cadeiras de piscina e com frequência eu adormecia na tal cadeira, toda torta. Devo ter despertado pena nos médicos e enfermeiras porque alguns dias depois a cadeira foi substituida por uma poltrona.

Passei a ser presença constante do lado de fora daquela porta de UTI. Durante o dia eu ficava esperando permissão para ver Flavia. À noite, o pai dela e minha amiga Claudine se revezavam por algumas horas. Fazíamos isso para tentar passar à Flavia o calor da presença e o carinho de pessoas queridas, apesar de sabermos que em UTIs, nem sempre é permitido aos parentes ou quem quer que seja permanecerem por longos períodos. O hospital entende que a presença das pessoas acaba atrapalhando o trabalho dos médicos e enfermeiras. Devem ter razão.

AINDA NA UTI.

- 22 de janeiro de 2007

Minhas férias do trabalho já haviam terminado e Dr.Fernando Arita, o neurologista de Flavia, pediu à HP que me concedesse mais três semanas de afastamento, devido ao ainda delicado estado de saúde dela.

Meu gerente atendeu o pedido médico e assim pude ficar mais tempo ao lado de minha filha. Ficar ao lado dela não é bem o que acontecia pois na sala de UTI onde Flavia estava, tinha outras crianças, algumas em estado desesperador. Havia um rigoroso horário para visitas, mesmo para os pais. Eu ficava mais tempo sentada numa dura cadeira do lado de fora do que ao lado de Flavia. Sempre que eu tocava a campainha e pedia para vê-la, a resposta era sempre a mesma:

- Aguarde mãe, ela agora está "sob procedimentos". Estar sob procedimentos era por exemplo lavarem o corpinho dela com um pano úmido ou lhe trocarem a fralda. E eu pensava:

- E isso é motivo para não me deixarem entrar?!

Hoje em dia, quando comento isso com alguém as pessoas me dizem que eu deveria era ser agradecida às enfermeiras, pois em UTI as visitas não têm mesmo trânsito livre. Naquele tempo eu não sabia disso e ficava agoniada por não ter acesso rápido à cama de Flavia.

Eu ficava mesmo naquela ante sala de UTI a maior parte do tempo. Ao fim do dia voltava para casa correndo, dava um pouco de atenção a Fernando e novamente voltava para o hospital. Os vizinhos do prédio se ofereciam para fazer companhia a Fernando, mas ele preferia mesmo era ficar quieto em seu quarto. Quando chegava a noite eu e ele jantávamos juntos e conversávamos um pouco. Tudo era muito novo, por demais doloroso, extremamente assustador.

FUGINDO DA IMPRENSA.

- 19 de janeiro de 2007
O movimento no dia do acidente nas imediações do prédio onde morávamos, a presença do carro do corpo de bombeiros e do helicóptero, chamaram a atenção da imprensa. O sindico do prédio me orientava a não dar entrevistas e eu, naquele momento sem entende porque, e sem capacidade de discernimento, assim o fazia. Mais tarde eu iria entender o motivo pelo qual o síndico não queria que falássemos com a imprensa. Ele sabia que o sistema de sucção da piscina estava irregular, o que só mais tarde seria provado por de laudo pericial técnico, elaborado por perito designado pelo juíz da 8a.Vara Cívil, devido a processo que eu abriria para averiguar responsabilidades no acidente que deixou Flavia em coma.

Mesmo com a recusa do síndico do prédio em dar entrevistas, alguns repórteres conseguiram publicar reportagens sobre o acidente, por exemplo a Tv Bandeirantes e a Folha de São Paulo.
O artigo acima foi publicado pelo jornal "O Estado de São Paulo" do dia 08.01.1998.

A qualquer momento que eu saisse de casa, lá estavam os repórteres na portaria do prédio tentando falar comigo ou com qualquer outro membro da família. E eu sempre fugia da imprensa, sem nem mesmo procurar entender porque fugia. Passado algum tempo eu me daria conta de que teria sido melhor ter botado "a boca no trombone" naquele momento, pois sabemos o peso e a importância que tem a imprensa na divulgação de fatos. Muitas vezes é o trabalho da imprensa que dá notoriedade a um acontecimento, contribuindo para que as autoridades pensem duas vezes antes de tratarem o assunto com descaso. Mas no momento em que uma tragédia nos atinge, é possível que fiquemos atordoados e nossa capacidade de discernir, fica também comprometida. Confesso, fiquei atordoada, amendontrada, sem chão.

NA UTI.

- 18 de janeiro de 2007

Avisei meu chefe na HP sobre o acidente e no dia seguinte logo cedo lá estava ele, o Diretor de Recursos Humanos, Alberto Golbert, a médica da empresa, Dra.Simone Miranda, mais dois gerentes de RH - meus amigos Alfredo Ribeiro e Arlete Fontana. Todos tentavam me passar otimismo, mas no fundo sabíamos que nada havia a fazer senão esperar.

Como nem sempre me deixavam entrar, eu ficava horas na porta da UTI, na esperança de falar com os médicos e principalmente com o neurologista do Hospital responsável pelo atendimento de Flavia. Deixava vários recados com a enfermagem e outros médicos que eu precisaria conversar com esse especialista para ouvir a opinião dele sobre o estado de Flavia. Consegui falar com o neurologista no segundo dia de internação dela na UTI. Então, por volta das 23 horas ele foi até a ante-sala da UTI onde eu me encontrava. O pai de Flavia estava comigo. O neurologista era um homem seco e de poucas palavras. Falou conosco apressadamente e disse que o estado de Flavia era bastante grave mas que ainda era cedo para se ter qualquer diagnóstico e deixou bem claro que só estava ali conversando conosco àquela hora da noite porque Flavia estava em um hospital conveniado - portanto, pago,- caso contrário, teríamos que aguardar os relatórios médicos. Fiquei chocada com a frieza do neurologista, a pressa e arrogância com que nos falou e imediatamente decidi que sairia em busca de outro profissional para cuidar de Flavia.

Voltei para casa e fiquei ao telefone com amigos e conhecidos pedindo a indicação de outro neurologista. Foi então que através de uma amiga consegui o telefone de um profissional que havia cuidado do pai de uma amiga dela e que trabalhava no Hospital Albert Einstein - Dr.Charles Chilbery. Liguei para o celular dele e fui atendida gentilmente, mas Dr.Chilbery me disse que não cuidava de crianças e me indicou então um neuropediatra no qual ele tinha absoluta confiança, a ponto, me disse, de entregar os próprios filhos aos cuidados desse médico. Telefonei imediatamente para o médico indicado e ele me prometeu que no dia seguinte faria uma avaliação neurológica em Flavia.

No dia seguinte eu estava novamente na ante-sala da UTI quando vi chegar o médico que cuidaria de minha filha, Dr.Fernando Arita, um simpático japonês. Apesar de nunca tê-lo visto deduzi que fosse ele e me apresentei. Era ele mesmo. Combinamos que conversaríamos tão logo ele terminasse a avaliação neurológica. Esperei e rezei. Quando o médico voltou, sentou-se a meu lado e me disse o que eu temia ouvir. O estado de Flavia era extremamente grave. Disse que na verdade naquele momento era difícil um diagnóstico preciso, pois os médicos da UTI estavam tentando "ressuscitar" Flavia" Um calafrio percorreu meu corpo e minha alma. Dr.Fernando me explicou com calma e sem pressa que ela estava em coma induzido que é um recurso usado pela medicina para diminuir a atividade cerebral ao máximo, deixando o cérebro em repouso a fim de evitar maiores danos aos neurônios que restaram.

ALERTA NA ESPANHA.

- 9 de janeiro de 2007
Um amigo médico e escritor espanhol escreve um artigo sobre o acidente de Flavia na imprensa local, chamando a atenção para o perigo desses equipamentos de piscinas instalados sem a adequada atenção e cuidado. Transcrevo aqui o artigo pelo ALERTA nele contido.
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Viernes, 13 de Febrero de 1998

LA VOZ DE HUELVA - ESPAÑA
Yo Acuso - Teodoro de Vega Ruiz


Puede parecer tal vez uncomentario a destiempo hablar ahora de piscinas y sus problemas, cuando la nieve y el frío nos invaden en todo el país. Creo que no porque el tema es siempre de candente actualidad, no solo porque en nuestras ciudades, afortunadamente, nuestros escolares continuan, en piscinas cubiertas, practicando la atractiva actividad de nadar bien, buscar y hacer deportes acuáticos, sino que también hay que recoger que en otros países, países hermanos, y cada vez más cercanos, disfrutan en estos momentos de un cálido verano, con todo el componente del agua, mar y piscinas. Por ello, me ha decidido a abordar este tema, duro en muchos momentos, trágico en otros. Hay una patología de las piscinas. Hay - voy a utilizar por mi condición de médico algunos conceptos específicos - una patología infecciosa, una patología química y una patologíia mecánica.

Una patología infecciosa, referida a los transtornos de la piel, dérmicos por procesos no bien curados o protegidos, alén de un peligro infeccioso, en función de posibles parásitos en el cabello. Los cuidados sanitarios, al respecto, se imponen, y la necesidad de una vigilancia en las piscinas. Una patología quimica que abarca la amplia problemática de la acidez o alcalinidad de las aguas, con un minucioso estudio de los pH de las mismas, unidas a la siempre peligrosidad de un descontrol en las concentraciones del cloro. Sobran mis comentarios, creo, porque la necesidad de actuar sobre estos posibles agentes patógenos es clara y concreta. Pero, hay - y es el aspecto que ahora trae y llama con más fuerza mi atención - una patología mecánica, traumática, dura, agresiva, de resultados muchas veces de enorme gravedad. Los resbalones incontrolados, con caídas aparatosas, por un lado, al intentar entrar en una piscina, con malas condiciones en los accesos inmediatos, que deben regularse, por un lado, y los tremendos golpes sobre la cabeza, con las conocidas fracturas-luxaciones de la columna vertebral, con las secuelas de parálisis corporales, tetraplegias, tristemente muy de actualidad en nuestro país, actualmente por otro. Pero, desgraciadamente, hay más. La utilización de aspiradores, que limpian las aguas, recogen los detritus, chupan, por así decirlo, todo lo que encuentran en su camino, aspiradores que, en muchos casos, siguen funcionando, cuando el baño es utilizado y que en muchas ocasiones no tienen una adequada protección, hacen con que esa aspiración se produzca a veces sobre personas, seres vivos, dando lugar al trastorno de importancia vital. Hay descrito algún caso de fuerte aspiración con prolapso, salida de órganos íntimos de alguna chica, hay veces en que la aspiración es más simple: lo que se aspira es el cabello de una niña que al quedar atrapado por la fuerza del aspirador da lugar a un problema de respiración, con el consiguiente cuadro de asfixia, anoxia cerebral, y... Quiero reconocer que este último aspecto de la ampla y compleja patologia de las piscinas es el que me ha hecho actualizar, a groso modo, estos datos, para en un yo acuso desgarrador contribuir a que estos fenómenos sean controlados, y a que los cuidados se extremen desde todos los puntos de vista para evitarlos. Una pequeña amiguita mía, de diez años de edad, Flavia, allá, en las entreñables tierras de Brasil, en São Paulo, lleva ya veinte días - he dicho sí, 20 días - em coma profundo, como consecuencia de una asfixia y severa anoxia cerebral, al quedar su linda cabellera atrapada por un aspirador descontrolado; su inconsciencia infantil no pudo preveer posiblemente, el peligro que la estaba acechando. Su vida sigue pendiendo por un hilo. Los médicos en la UTI pediátrica del Hospital Santa Izabel continúan la lucha sin desmayo, para conseguir ese milagro médico, que supondrá la recuperación de una vida. Por raziones de amistad y afecto participo muy directamente en esta tragédia, una más, que las piscinas, por una mala utilización de las mismas, pueden llevar consigo. Es necesario pienso, que en tolo el mondo civilizado, hay que mantener las espadas en alto en la vigilancia, control y adecuación de estos lugares de recreo, para que el drama no surja. Vale la pena. Flavia, diez años, muy linda, delgadita, siempre sonriente, con la vocecita agradable, solo puede ahora comunicarse - se ? comunica realmente? - con nosotros, a través de un movimiento de algún dedo voluntario o, qué horror, involuntario.

RALOS DE PISCINAS - PERIGO EMBAIXO D'AGUA..

- 6 de janeiro de 2007
Quando em janeiro de 1998, Flavia sofreu o acidente que a deixou como está até hoje, - em coma, as pessoas se mostravam perplexas ao saber de que forma o acidente ocorreu.

-O cabelo dela ficou preso ao ralo da piscina?! Isto é possível?!

Infelizmente é possível sim. Claro que não são todos os ralos. O perigo passa a existir quando o sistema de sucção da piscina estiver instalado de forma inadequada. É preciso que a potência do motor esteja de acordo, isto é, seja proporcional à metragem cúbica de água existente na piscina, o que nem sempre ocorre. E como o usuário vai saber disso? Não tem como. Esta é uma obrigação dos condomínios que jamais deveriam substituir o equipamento de sucção de suas piscinas, sem a devida orientação técnica. Esta medida simples evitaria o que ocorreu na piscina do prédio onde morávamos - um superdimensionamento do equipamento de sucção, trocado sem a necessária orientação técnica, que lhe deixou com potência excessiva para o local onde fora instalado. É obrigação também dos fabricantes desses equipamentos, fazer constar em seus manuais, informações claras e precisas sobre a instalação de seus equipamentos. É básico. É direito do consumidor.
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Cópia da Declaração feita pelo médico chefe da UTI do Hospital Santa Isabel, (dentro da Santa Casa). Flavia ficou 35 dias nesta UTI.

HOSPITAL SANTA ISABEL
Rua Dona Veridiana, 311 - Higienópolis - S.Paulo
São Paulo, 06 de Fevereiro de 1998.
DECLARAÇÃO
Declaro para os devidos fins que a menor FlAVIA SOUZA BELO, domiciliada em São Paulo, capital, deu entrada nesta Unidade de Terapia Intensiva, trazida pela Unidade de Resgate, como vítima de quase afogamento em água doce, e segundo as pessoas que presenciaram o acidente, teria ficado com os cabelos presos no filtro da piscina, o que teria dificultado a sua retirada da água.
Foi reanimada por um vizinho que por sorte é cardiologista e aplicou as medidas de reanimação bastante efetivas por mais ou menos quarenta minutos, sendo trazida para nosso serviço, após uma hora do ocorrido.
Aqui deu entrada entubada, em ventilação por ambu, em mau estado geral, com frequência cardíaca de 140, afebril, acianótica anictérica, inconsciente, com pupilas mióticas não reagentes, não respondendo a estímulos verbais ou dolorosos, assumindo postura de descerebração. Foi notada uma lesão em região occiptal eritematosa, com discreta região de alopécia, que poderia corresponder a arrancamento capilar na hora da retirada da mesma da piscina.
A conclusão médica é de que a paciente foi vítima de quase afogamento com parada cardiorespiratória e encefalopatia, hipóxico, isquêmica grave.
DR.CID EDUARDO DE CARVALHO
Médico Chefe da Unidade
De Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Santa Isabel
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Cópia do Certificado emitido a meu pedido, pelo Corpo de Bombeiros que fez o resgate de Flavia.
POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO - CORPO DE BOMBEIROS
QUARTO GRUPAMENTO DE INCÊNDIO
CERTIDÃO DE SINISTRO
Divisão Operacional
C.S.nr.071/98
Certifico que nos arquivos do Quarto Grupamento de Incêndio da Polícia Militar do Estado de São Paulo, encontra-se registrado sob o nr.164 o Relatório de Trabalho de Salvamento, sobre ocorrência atendida às 19 horas e 01 minuto do dia 06 de Janeiro de 1998, sito à Av.Juriti, nr.541 - Moema - S.Paulo, no qual consta o seguinte: "Tratava-se de vítima de afogamento em piscina, devido ao seu cabelo ter sido sugado e parte arrancado pelo ralo da piscina, sendo a vítima: Flavia Souza Belo, 10 anos, residente à Av.Juriti, 541 - 8o andar - apto.81." Coube ao Corpo de Bombeiros socorrer a vítima e levá-la ao Pronto Socorro do Hospital Santa Casa. O referido é verdade e dou fé.
São Paulo, 11 de maio de 1998.
Confere:
BEN-HUR ARAUJO JUNQUEIRA NETO
1o.Ten PM Of B/3
WILSON DE BARROS CONSANI JUNIOR
Maj PM SCmt

DOR, MEDO, PERPLEXIDADE.

- 4 de janeiro de 2007
.....Continuação

Junto com Flavia na piscina estavam, além de Fernando, dois amigos dele de idades parecidas – entre 14 e 15 anos. Os adolescentes conversavam debruçados na borda da piscina e não perceberam Flavia se afogando atrás deles. Um garoto morador do 12º andar foi quem viu pela janela de sua área de serviço, Flavia imóvel sob as águas da piscina. O garoto gritou e avisou Fernando que se virou e viu a irmã parada na água, de rosto para baixo, bem na direção do ralo da piscina. Quando ele a pegou nos braços para retirá-la da água, notou resistência e percebeu que os cabelos de Flavia estavam presos ao ralo e por mais que Fernando tentasse não conseguia retirar a irmã da água. Então, num ato de desespero ele a puxou com força arrancando uma grossa mecha de seus cabelos. Joaquim, funcionário da portaria do prédio que havia sido avisado também pelo morador do 12º andar, ajudou Fernando a retirar Flavia da água. Ela já estava inconsciente.Tivera parada cardio respiratória.

Ao redor de Flavia alguns moradores do prédio tentavam ajudar. Havia um médico cardiologista que fazia manobras de ressucitamento. Outro médico do prédio vizinho o ajudava. Entrei em pânico. Eu precisava fazer algo, mas não sabia o que. Meu primeiro pensamento foi pegar Flavia nos braços e levá-la ao hospital mais próximo, mas fui impedida por um dos médicos que me dizia que se ela fosse removida naquelas condições chegaria sem vida ao hospital. Senti-me confusa e desesperada. Dona Eurídice, a mulher do zelador, já havia chamado o resgate do corpo de bombeiros e as pessoas me diziam que eu deveria esperar pela chegada deles e me acalmar. O que eu senti enquanto aguardava o socorro para minha filha é difícil explicar: Um nó na garganta, um aperto no peito, náusea, um desespero imenso. Achei que o socorro demorava a chegar mas repetiam para mim que essa sensação era devido a minha aflição. Flavia continuava sem dar sinal de vida. Finalmente o serviço de resgate do corpo de bombeiros chegou e entubaram Flavia para transportá-la ao hospital.

Entrei junto no carro do corpo de bombeiros. O médico cardiologista morador do prédio e sua mulher seguiram junto comigo. Flavia foi então levada para um espaço improvisado como heliporto, na esquina da Av.Ibirapuera com a República do Líbano, em Moema. Dali seguiria de helicóptero para a Santa Casa. O carro do corpo de bombeiros assim como o helicóptero causaram curiosidade e o trânsito na região virou um caos. Isto também chamou a atenção da imprensa que passou a assediar o prédio nos dias seguintes, mas o síndico fugia dos repórteres e me orientava a não dar entrevistas. Só algum tempo depois fui entender porque. Ele receava complicações para o condomínio e tinha motivos para isso.

Não me foi permitido seguir com Flavia no helicóptero para a Santa Casa e sem condições emocionais de dirigir, um vizinho me levou ao Hospital. Antes de sairmos, pelo celular avisei meu ex marido, pai de meus filhos e algum tempo depois ele chegava ao hospital acompanhado de Fernando.

Flavia deu entrada na UTI da Santa Casa de Misericórdia com nível de consciência 3 na Escala de Glasgow. Para quem não sabe, a Escala de Glasgow é uma escala neurológica que mede o nível de consciência em casos de coma. Este nível varia de 1 a 15. O nível 3 é atribuído a traumas graves. Flavia estava em coma profundo, com atividade cerebral muito baixa, próximo a uma morte cerebral.

A VIDA SE TRANSFORMANDO...

- 2 de janeiro de 2007
Aconteceu assim:

Dia 06 de Janeiro de 1998. Quatro horas da tarde e fazia muito calor. De férias de meu trabalho na HP, eu lia um livro na sala quando F. e Flavia em trajes de banho, me disseram que estavam descendo para a piscina. Morávamos no 8º. andar da Av.Juriti, 541 em Moema – S.Paulo. F. faria 14 anos em Abril, Flavia acabara de completar 10.

Meus filhos estavam acostumados a nadar naquela piscina, que media 7,10m por 6,40m com profundidade média de 0,95m, perfazendo um volume de água de aproximadamente 43 m3. Flavia sempre foi uma menina grande para sua idade. Em pé, em toda a extensão da piscina a água lhe chegava um pouco abaixo dos ombros, era portanto, uma piscina rasa. Além disso, Flavia freqüentava aulas de natação desde bebê e nadava com desenvoltura.

Por volta das 18.30h horas eu fazia qualquer coisa dentro de casa quando ouvi os gritos de meu filho vindos da piscina. Pensei que ele estivesse brincando e preocupada que seus gritos incomodassem os vizinhos, me aproximei da janela da área de serviço, de onde eu avistava a piscina. A cena que vi ficou para sempre gravada em minha memória: Flavia estendida no deck da piscina e F. em desespero, debruçado sobre ela. Chamei por F. e ele ao me ver na janela gritou:
- Mãe!!! Flavia.....
Percebi que algo terrível acontecera e sem esperar que F. terminasse a frase, desci correndo pelas escadas, os oito andares que me separavam de meus filhos.

Já em pânico, tive dificuldades em me aproximar de Flavia devido ao aglomerado de pessoas em volta dela. Alguém me segurou com força e num tom quase hostil dizia que eu deveria me acalmar. Gritei que ela era minha filha e tentei me desvencilhar dos braços que me seguravam. Quando consegui chegar mais perto, vi Flavia de olhos fechados, imóvel, roxinha. Comecei a repetir para mim mesma:

- Não há de ser nada, não há de ser nada...não há de ser nada....

Infelizmente, o tempo se encarregaria de mostrar que seria uma longa e terrível tragédia e que a partir daquele momento nossas vidas passariam por uma radical e dolorosa transformação.

INTRODUÇÃO

- 1 de janeiro de 2007
Este Blog é dedicado à minha filha Flavia, em coma vigil há 9 anos, por causa de um acidente quando ela teve seus cabelos sugados pelo ralo da piscina do prédio onde morávamos no bairro de Moema – Zona Sul de S.Paulo. Flavia estava com 10 anos. O sistema de sucção da piscina, estava ligado e superdimensionado, o que mais tarde seria provado pelo Laudo Técnico emitido por perito designado pela 8ª.Vara Cível do Foro Central da Capital – Comarca de São Paulo, devido aos processos que abri contra o condomínio do prédio onde morávamos, - Condomínio Edifício Jardim da Juriti, contra a empresa fabricante do ralo - Jacuzzi do Brasil Indústria e Comércio Ltda e contra a seguradora do condomínio - AGF Brasil Seguros S/A.

Meu objetivo ao fazer este Blog, é levar ao conhecimento das pessoas, tenham elas passado ou não por uma experiência dolorosa como a minha, de como sobrevivi à dor de ter de uma hora para outra minha filha, até então com saúde perfeita, com a infância e a vida interrompidas. Só existem duas saídas: Desabar ou lutar. Esta última sem dúvida é a melhor opção, pois se desabamos estaremos abandonando essas pessoas queridas e especiais que por algum mistério da vida, lhes sucedeu algo tão terrível – ter a vida tragicamente interrompida ou modificada por um acidente. Essas pessoas, sejam elas, filhos, mãe, marido, mulher, irmão, precisam de nós e não temos, portanto o direito de nos entregar ao sofrimento e deixar que o luto permanente nos anule e diminua ou até mesmo anule nossa capacidade de cuidar deles. Por mais difícil que seja, temos que sair do luto e ir à luta.

Através deste Blog tenho também a intenção de alertar as pessoas sobre o perigo existente em ralos de piscina, estejam esses ralos instalados em piscinas de residências, prédios de apartamentos, clubes, etc. Há anos estou à espera de uma sentença judicial justa para Flavia, de um final, senão feliz, pelo menos digno. Passados longos 9 anos, o processo judicial pelo acidente com minha filha ainda não terminou. Flavia segue em coma. E a Justiça brasileira também.
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